Por: Madalena Guasco Peixoto – Carta Educação
Imagem: Créditos – EBC
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Estão implícitas, na verdade, duas grandes intenções: a privatização das universidades públicas e o fim das políticas de inclusão como as cotas e o ProUni
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Nem é preciso procurar muito. Uma rápida pesquisa num site de buscas, uma lida numa enciclopédia virtual colaborativa e tem-se lá uma acepção inicial da palavra ideia. Ou melhor, duas: “como sinônimo de conceito ou, num sentido mais lato, como expressão que traz implícita uma presença de intencionalidade”.
É claro que é mais do que possível se aprofundar filosoficamente no assunto, indo de Platão a Hegel, e até mais além, por estudiosos dos séculos XX e XXI. Como esse não é o objetivo aqui, no entanto, essa primeira dualidade de definições já serve para compreender a declaração do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, dada ao jornal Valor Econômico e publicada no dia 28 de janeiro.
“A ideia de universidade para todos não existe.” Foram essas as palavras.
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Muito já se falou do equívoco delas enquanto conceito, totalmente dissociadas da concepção de universidade enquanto instituição voltada para a produção do conhecimento, o desenvolvimento e a democratização do saber em todas as áreas da atividade humana, assim como a formação ampla para o trabalho e a reflexão crítica sobre a sociedade.
É preciso analisar a fala do ministro, contudo, sob o outro viés do termo ideia. Para Vélez Rodríguez — e ele encarna, aqui, todo o protótipo de pensamento do governo Jair Bolsonaro—, a universidade não é para todos porque não existe a mais remota intencionalidade de dar continuidade a qualquer política pública que vise a torná-la como tal. Em outras palavras, é óbvio que a ideia de universidade para todos não existe. Não para as (más) intenções do governo Bolsonaro. Não para a gestão de Vélez Rodríguez.
A opinião de que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”, como continuou o ministro na entrevista ao Valor, não é nova. Na realidade, ao longo da maior parte de sua história, a universidade brasileira caracterizou-se por ser elitista e excludente. Não faz nem duas décadas que a elaboração de políticas de inclusão buscou democratizar o acesso e dar oportunidade aos jovens brasileiros de participarem de um espaço acadêmico de pesquisa, de construção de conhecimentos.
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A dimensão pública e republicana da universidade, efetivada por sua capacidade de representação social, cultural, artística, científica e tecnológica, bem como pela produção de reflexão e de conhecimento inovador, calcados no respeito à diversidade e à pluralidade, soa quase como uma ideia nova (e talvez até absurda) — no sentido de conceito — para quem não faz ideia (nem tem intenção de fazer) de que a educação, inclusive a de nível superior, constitui-se numa obrigação do Estado, uma vez que é um direito social inalienável de cada cidadão e cidadã.
A universidade forma pesquisadores, construtores do conhecimento e também profissionais. Todavia, mais do que isso, ela é um espaço de elevação da cultura, da construção de pensamento crítico. Nada disso, porém, parece interessar ao atual regime, reacionário, autoritário, associado aos interesses do capital e inimigo do livre pensamento.
Por trás da concepção expressa por Vélez Rodríguez estão implícitas, na verdade, duas grandes intenções: a privatização das universidades públicas e o fim das políticas de inclusão como as cotas e o ProUni — programa cujo nome Universidade Para Todos, aliás, deve parecer ininteligível aos ouvidos do ministro.
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Madalena Guasco Peixoto é coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)